Domingo, 6 de julho de 2014
O Bancário , por João Heitor Montans Condé
A primeira imagem que me vem à memória ao procurá-lo em meu passado é do cabelo à americana, castanho, onde começavam as cãs, de maneira incomum, no que chamávamos “topete” e não nas têmporas. Também me lembro de ouvir seus passos apressados no terreiro batido da casa da fazenda.
A outra imagem que me ocorre depois desse tempo é do caminhão Chevrolet velho, as roupas sujas, as botinas de couro amarelo encardidas do esterco do curral, o chapéu panamá de abas meio desfiadas. Na verdade ele não fora um fazendeiro a vida toda; era funcionário do Banespa na capital e só veio administrar a fazenda do vovô depois que eu nasci, o que também o levou a se apaixonar pela agricultura, pela terra e isso se tornou parte dele mesmo depois que a fazenda foi vendida. Acredito até mesmo que o seu fim começou ali. Hoje ele estaria completando 89 anos de vida, uma vida que, imagino, foi feliz na maior parte do tempo, pois apesar das onipresentes dificuldades financeiras, apoiava-se no amor que tinha pela minha mãe e pelos filhos a quem se dedicou de corpo e alma durante a vida toda.
Viveu para o trabalho e para a família, toda a família: filhos, netos, sobrinhos, a irmã mais velha, o irmão que perdeu ainda jovem e isso é que fazia dele um homem incomum na cidadezinha interiorana. Não frequentava bares, não “pulava a cerca”, não “passava a perna” em ninguém, saía sozinho raras vezes e foi sempre um conservador, palavra que hoje em dia passou a ser xingamento. Graças a ele eu cresci ouvindo Glenn Miller e as Big Bands, Nat King Cole, Frank Sinatra, Grieg, Chopin, Beethoven, etc., e tudo isso me levou a ter um gosto musical diferenciado.
Meu pai viveu em um tempo em que eu mesmo gostaria de ter vivido, um tempo em que se dançava ao som de orquestras de verdade, nos salões dos clubes e mesmo salões de baile particulares, um tempo em que os homens iam aos bailes de paletó e gravata, um tempo de cobradores dos bondes com notas de dinheiro entre os dedos circulavam entre os passageiros, um tempo de cinema e fotografia em preto e branco, um tempo em que praticamente não havia acidentes de trânsito, pois os carros eram poucos e lerdos, tempo da censura postal onde ele trabalhou durante a Segunda Guerra, em que se viajava de avião Douglas DC-3 e a Via Anhanguera era estrada de terra, em que se escreviam cartas que demoravam meses para chegarem ao destino e não segundos como nos emails. Papai fez questão de jamais aprender a usar um computador, apesar da insistência de todo mundo. Era do tempo da máquina de escrever e pronto! Ninguém havia de tirar isso dele. Hoje, uma coisa, para mim é clara e certa: ele foi feliz, adorado por todos os que o conheceram e eu, que vivi ao lado dele em sua última etapa, aprendi a amá-lo ainda mais e sentirei sua falta sempre.
João Heitor Montans Condé


